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C. S. Lewis em Três Atos

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Escritor, professor universitário, romancista, poeta, crítico literário, apologeta, ensaísta, teólogo e novelista. Tantos títulos que não são suficientes para definir a potência intelectual chamada C. S. Lewis. 

Para compreender minimamente bem a força da obra de Lewis, seriam necessárias duas ou três vidas. Como só temos uma, nos resta tentar sintetizar algo desse que é considerado um dos maiores escritores do século XX.

Abaixo você confere um apanhado de dados biográficos, informações e notas sobre C. S. Lewis que servem como uma boa introdução ao seu pensamento. Como em uma peça teatral ou literária, os escritos estão separados em três atos. 

Abram-se as cortinas…

Ato I: Um forte, corajoso e eterno Leão

Em minha biblioteca, há retratos de três grandes escritores, Machado de Assis, G. K. Chesterton e C. S. Lewis. Desses, admiro Lewis não só pela capacidade literária, mas pela visão otimista da vida, apesar do sofrimento que viveu e da maldade que presenciou.

Como escreveu Alister McGrath, embora C. S. Lewis seja mais conhecido como escritor, nunca devemos esquecer que sua vida foi complexa, difícil e, por vezes, trágica. Foram muitas batalhas.

Sua mãe morreu de câncer antes que ele completasse dez anos de idade; ele lutou nos campos de batalha da França durante a Primeira Grande Guerra e foi gravemente ferido em combate; por fim, casou-se tardiamente e viveu a tragédia de ver sua esposa lentamente perder sua longa luta contra o câncer.

Lewis é um raro exemplo de alguém que teve de pensar sobre as grandes questões da vida porque suas próprias experiências as despejaram sobre ele. “Lewis não foi um filósofo de botequim — afirma McGrath — suas ideias foram forjadas no calor do sofrimento e do desespero.”

Talvez isso explique porque grande parte de suas Crônicas fala sobre a derrota do mal e o triunfo do bem. Em “As Crônicas de Nárnia”, após Nárnia ter sido submetida a um terrível e prolongado inverno, imposto pela falsa rainha do país, o verdadeiro Rei, o Leão Aslan, prevaleceu. 

Esperança, e coragem, e alegria, são palavras-chave presentes na obra de Lewis. Isso pode ser conferido em alguns pensamentos:

“Tudo que não é eterno é eternamente inútil. Pois se a esperança que se tem fosse apenas nessa vida, não houvesse nada além, nenhum sonho para sonhar, que esperança mais perdida!”

“Não podemos confiar em nós mesmos nem em nossos melhores momentos. Por outro lado, não devemos nos desesperar nem mesmo nos piores, pois nossos fracassos são perdoados.”

“Toda alegria lembra algo. Nunca é uma posse, sempre é um desejo por algo remoto no tempo ou no espaço, ou ainda ‘prestes a vir a ser’.”

“Quando a dor tem que ser suportada, um pouco de coragem ajuda mais do que conhecimento; um pouco de simpatia humana, mais do que coragem, e a menor migalha de amor de Deus mais do que tudo.”

“Quando as coisas vão mal, parece que vão de mal a pior durante certo tempo, mas quando começam a ir bem, parecem cada vez melhores.”

Hoje, enquanto alimentava-me das palavras de Lewis, pedi a Aslam que se sentasse ao meu lado. Foi interessante olhar o mundo com olhos de esperança. Não que o grande inverno de Nárnia tenha já sido dissipado, mas é que tudo parece menor e transitório quando se está acompanhado de um forte, corajoso e eterno Leão.

Ato II: Uma criança sonhadora não teme as bombas

Nascido na cidade de Belfast, atual Irlanda do Norte, Clive Staples Lewis cresceu no meio dos livros da seleta biblioteca particular de sua família, criando nesta atmosfera cultural um mundo todo próprio, dominado por uma fértil imaginação e criatividade.

Foi descrito como uma “criança sonhadora”, e quando tinha apenas três anos, decidiu adotar o nome de “Jack”, pelo qual ficaria conhecido na família e no círculo de amigos próximos durante toda a vida.

Quando eram adolescentes, Lewis e seu irmão mais velho, Warren, passavam quase todo o tempo dentro de casa dedicando-se à leitura de livros clássicos, distantes da realidade materialista e tecnológica do século XX.

Aos dez anos, em 1908, a morte prematura de sua mãe fez com que o pequeno Jack se isolasse ainda mais da vida comum dos garotos de sua idade, buscando refúgio no campo de suas histórias e fantasias infantis. Na adolescência encontrou a obra do compositor Richard Wagner e começou a se interessar pelas mitologias nórdica e grega, e por línguas, como o latim e o hebraico.

Um dos motivos de não termos mais homens como Lewis vem da absoluta tragédia de estarmos mergulhados na realidade materialista e tecnológica e cada vez mais distantes dos clássicos, das obras da imaginação, da contemplação do belo, da sadia solidão intelectual e do silêncio das bibliotecas. 

O mundo pós-moderno, com todos os seus prazeres e facilidades, é barulhento e estéril. Estamos tão entretidos, que não conseguimos perceber a importância de nos mantermos sãos mesmo diante de uma iminente explosão nuclear. O trecho abaixo reflete o  superior estado de espírito de Lewis ao escrever sobre a bomba atômica:

“De certa forma, pensamos demais na bomba atômica. “Como devemos viver em uma era atômica?”

Fico tentado a responder: “Ora, como você teria vivido no século XVI, quando a praga visitava Londres quase todos os anos, ou como você teria vivido na era Viking, quando invasores da Escandinávia poderiam chegar e cortar sua garganta a qualquer noite; ou, de fato, como você já vive em uma era de câncer, sífilis, uma era de paralisia, uma era de ataques aéreos, uma era de acidentes ferroviários, uma era de acidentes automobilísticos”.

Em outras palavras, não vamos começar exagerando a novidade de nossa situação. Acredite em mim, prezado senhor ou senhora, você e todos os que ama já foram condenados à morte antes que a bomba atômica fosse inventada: e uma grande porcentagem de nós morreria de maneiras desagradáveis.

Tínhamos, de fato, uma grande vantagem sobre nossos ancestrais – anestésicos; e ainda os temos. É extremamente ridículo continuar choramingando e mostrando rostos desanimados, porque os cientistas acrescentaram mais chances de morte prematura e dolorosa a um mundo que já se arrastava com essas chances e no qual a própria morte não era uma chance, mas uma certeza.

Este é o primeiro ponto a ser abordado: e a primeira ação a ser tomada é nos recompormos. Se todos nós formos destruídos por uma bomba atômica, deixe-a nos encontrar fazendo coisas sensíveis e humanas – orando, trabalhando, ensinando, lendo, ouvindo música, banhando as crianças, jogando tênis, conversando com nossos amigos com uma caneca na mão e um jogo de dardos – e não amontoados como ovelhas assustadas pensando em bombas. Elas podem destruir nosso corpo (um micróbio pode fazer isso), mas não conseguem dominar nossas mentes.”

Ato III: Deus e a lavadeira

Certa vez, acompanhei uma discussão comparando C. S. Lewis a outros dois escritores britânicos, G. K. Chesterton e J. R. Tolkien. Segundo o crítico, Lewis era “pintinho” perto dos outros dois. “Sua escrita é pobre, água com açúcar”, bradou o apontador.

Entrei para discordar e logo descobri que a crítica se tratava apenas de ideologia religiosa. Lewis era Anglicano, enquanto Chesterton e Tolkien, assim como o comentador, eram Católicos Romanos.

Mostrei que Lewis não fica devendo em nada como escritor, e que tem uma vantagem enorme sobre os outros: é genialmente mais popular. Destaco isso sem comparações, pois Chesterton e Tolkien, dos quais também sou fã, foram absolutamente brilhantes, e tinham ligação com Lewis. O primeiro o influenciou como autor; o segundo, foi seu amigo íntimo. 

Aliás, como admitido pelo próprio Tolkien, sem o encorajamento de Lewis, ele jamais teria escrito “O Senhor dos Anéis” — o que por si só deveria ser suficiente. Entretanto, deixe-me dizer um pouco mais daquilo que admiro em C.S. Lewis…

De 1941 a 1944, durante a II Guerra Mundial, a BBC convidou o autor das Crônicas de Nárnia para ministrar uma série de palestras sobre os fundamentos da fé cristã. Em um tempo em que a desesperança tomava conta, Lewis foi incumbido de dar a razão da sua esperança para milhares de pessoas.

Diante daquela situação, Lewis deveria falar para o maior número de pessoas possível, caso contrário, de nada adiantariam suas palestras. Foi isso que o levou a falar sobre o solo comum que unia todos os cristãos. Graças à sua notória erudição, foi capaz de falar a todos, conseguindo manter as subdivisões como secundárias. Esse é um dos principais exemplos de seu poder de simplificar grandes ideias em discursos simples.

Quando comecei a ler “As Crônicas de Nárnia” para meu filho mais velho, ele, com apenas sete anos, não apenas conseguia viajar nas histórias, como podia absorver a essência da narrativa — o mesmo não ocorreu com o Senhor dos Anéis.

Analisando sua biografia, percebemos a influência de Lewis sobre personalidades ilustres, dentre elas, Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido. Os livros do irlandês amante de charuto foram lidos pelos seis últimos presidentes americanos, e muitos de seus pensamentos foram citados em seus discursos.

Suas 38 obras já venderam mais de 200 milhões de cópias, as quais foram traduzidos para mais de 30 línguas, incluindo a série completa de Nárnia para o polonês e o russo — ainda durante a Guerra Fria.

Em 4 de novembro de 1988, Antonín Markos descobriu um asteroide que foi batizado de “7644 Cslewis”. Entre 1996 e 1998, quando foi celebrado seu centenário, foram escritos cerca de 50 novos livros sobre sua vida e seus trabalhos, completando mais de 150 livros desde o primeiro, escrito em 1949.

Durante a minha jornada como comunicador, vi Lewis sendo citado por eruditos, políticos, religiosos e jovens amantes de ficção. Suas Crônicas viraram filmes que chegaram ao topo da bilheteria mundial.

Lewis ficou conhecido como “O Apóstolo dos Céticos”, pois argumentava convencidamente sobre Cristo e os atributos da fé cristã. Portanto, não, Lewis não foi um qualquer. E o que o apontador chamou de “escrita pobre e água com açúcar”” significa, na verdade, “mensagem doce e genialmente popular”.

Deus nunca se faz de filósofo diante de uma lavadeira”, escreveu Lewis. Essa frase, isoladamente, é profunda o suficiente para inspirar verdadeiros tratados de teologia, filosofia e literatura.

Posso imaginar Jack agora num pub divino. Ele sorri enquanto traga um bom charuto e se prepara para tomar mais um gole de uma boa cerveja. Ele está acompanhado nada menos que de Chesterton e Tolkien, que fazem troça de partes de sua apologia. 

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